Artigo

Alysson Muller

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“Minha vida se resume em gastronomia.”

Alysson Muller

 

O “Rosso”, primeiro restaurante do chef Alysson Muller fica à beira mar, em Santo António de Lisboa, a mais açoreana das freguesias de Florianópolis. O local é paradisíaco, com uma vista soberba para a baía e um leve vislumbre de civilização ao fundo e nem o burburinho habitual num restaurante consegue sobrepor-se ao tranquilizador barulho cadenciado das ondas. Na varanda, ao fundo, uma rede convida ao descanso, sob um chão de conchas.

Alysson Muller, natural de Biguaçu no continente, tem um porte imponente, a que uma simpatia desarmante, atenua o impacto visual inicial.

“Amo Portugal!”, dispara enquanto vai abrindo um espumante de boas vindas, que ligará na perfeição com umas ostras fresquíssimas que nos aguardam numa mesa de madeira cuidadosamente situada junto ao mar.

A partir daí, a conversa com o chef catarinense mais famoso do Brasil, correrá solta em torno da sua paixão pela gastronomia, o gosto por viajar, as influências que foram marcando as suas criações, os quatro restaurantes de que é proprietário e a aposta para o final do ano, de um novo espaço no centro da cidade. Tudo isto acompanhado por arroz de polvo com linguiça Blumenau, polvo à rosso, robalo com crosta de limão siciliano e um extraordinário siri em escudo de kryptonite.

 

Como é que começou este seu gosto pela cozinha?

 

Eu sempre gostei muito de comer, sempre fui muito guloso (risos) e muito curioso. Venho do outro lado, de Biguaçu, de uma família humilde, mas sempre gostei de comer. Não faltava comida em minha casa, aquela comida básica dos brasileiros: arroz, bife, batata frita, feijão. Os meus pais tinham um restaurante em Biguaçu. Era um restaurante muito simples, de cozinha barata, mas onde gostava de cozinhar e de ir aprendendo. Entretanto, comecei a trabalhar como representante da “Pepsi” e fui estudando gastronomia, estudando, estudando muito. Por fim, fiz estágios em restaurantes de Florianópolis e de São Paulo, coisas curtas, mas sempre cozinhando, fazendo eventos e aprendendo. Depois comecei a trabalhar em restaurantes de amigos, primeiro como auxiliar de cozinha, depois como chef e foi aí que me tornei gerente de restaurante.

 

Essa experiência de gestão foi importante para o sucesso dos seus restaurantes?

Foi fundamental. No início eu só trabalhava dentro da cozinha. Era chef e passava os dias a criar pratos, a fazer experiências. Depois, comecei a ver que as coisas não corriam bem, que a conta não fechava e que não ia dar certo. Percebi que tinha de me tornar dono do restaurante, gestor de restaurante. Foi quando comecei a aprender a gerir, a conhecer o restaurante não só pela comida, mas pelo sistema de serviço. Também comecei a estudar gestão de empresas, porque o restaurante é igual a uma empresa de pneus: se não comprar uma boa borracha, uma boa matéria prima, o pneu não vai ser bom; se o funcionário estiver desmotivado, o pneu vai sair torto; se não pagar bem pela matéria-prima, não vou conseguir vender bem; se o vendedor, que é o garçom, não estiver motivado e não for um bom vendedor, não vai vender e ficamos com problemas de desperdício; se não souber desenvolver bem o produto, com o passar do tempo, a concorrência vai ultrapassar. É tudo é igual, então, quis aprender gestão de empresas, a ler livros de fiscalidade, ler as histórias de empreendedores, de como conseguir motivar a equipa, porque hoje tenho 100 funcionários se eles não estiveram motivados, nada funciona.

Sempre autodidata?

Sempre autodidata. Fazendo formações, lendo, estudando, querendo aprender sempre mais. Por exemplo, fazer a semana que vem, vou fazer um curso de gelados italianos. Comprei uma máquina italiana, uma Carpigiani, e vou fazer um curso de gelados em São Paulo. Quero fazer um sorvete top aqui na cidade, nos meus restaurantes. Toda a minha vida tenho procurado aprender, para depois poder criar com a minha identidade. Uma das coisas mais importantes que aprendi, foi a ouvir o feedback, o que é muito difícil, porque a gente não gosta de críticas. Eu sou do tipo português, português adora criticar, mas não gosta de críticas (risos). No início é complicado, mas é muito necessário porque a gente tem que ouvir quem come.

 

De onde vem a influência da gastronomia portuguesa?

 

Eu amo Portugal. Vou a Portugal, pelo menos, uma vez por ano, no ano passado fui três (risos) e adoro a cozinha portuguesa.

 

Tem alguma raiz familiar em Portugal?

 

Não, não tenho raiz familiar, mas tenho uma paixão incrível pelo vosso país. Quando fui a primeira vez, foi paixão à primeira vista, e tenho regressado frequentemente.

O que eu gosto na cozinha portuguesa é a simplicidade, é a qualidade da matéria-prima. Um chef não é mais importante do que o prato. E lá em Portugal, o prato é o mais importante, a matéria-prima, o carinho. Em muitos restaurantes, encontro tiazinhas, senhoras, daquelas que só sabem fazer três receitas na vida, só que as três são maravilhosas e fazem um restaurante. Que adianta fazer trinta? Fazer três bem feitas é maravilhoso. Eu gosto disso em Portugal. E, depois, Portugal tem o melhor peixe do mundo. Comer salmonete na brasa, em Setúbal, é de chorar.

 

Como surgiu a ideia de abrir o “Rosso”?

 

Quando eu abri “O Rosso”, era um espaço muito mais simples, embora continue bastante rústico, como convém a um restaurante à beira mar, em madeira crua, chão de conchinhas e muita informalidade. Mas quando abri era muito simples e eu trabalhava como chef, por isso passava a vida dentro da cozinha. Foi uma fase difícil, porque a maioria dos chefs tem um grande defeito, um ego grande e eu tinha um ego enorme e achava que tinha de cozinhar para mim, não para os outros. Como passava a vida fechado na cozinha, não me apercebia das preferências dos clientes, não conversava com eles, e isso foi um erro tremendo. Em contrapartida, acertei em algumas coisas (risos), uma delas, que se revelou fundamental, foi só trabalhar com peixe do dia, com peixe fresco. Aqui, no Brasil, não existe tanta variedade de peixe como em Portugal, mas temos peixes muito bons. Na época em que abri o “Rosso”, em 2010, os restaurantes daqui só vendiam salmão e congrio congelados, vindos do Chile, ou linguado. Como comecei a trabalhar com peixe fresco: pescada amarela, robalo, garoupa, cherne, pargo, isso marcou um diferencial em relação à concorrência. Depois, a grande aposta foram os frutos do mar, sobretudo o polvo.

 

Que é o prato de referência.

 

Exactamente. O Polvo à Rosso, que criei logo na abertura, em 2010, é o prato mais procurado. Tenho um amigo, que um dia veio comer aqui com um pessoal de São Paulo e pediu o polvo e todo o mundo e saiu dizendo que iam desafiar amigos a vir experimentar. Esse boca-a-boca funcionou tão bem que todas as semanas vinham pessoas experimentar o polvo e não parou mais.

Hoje vende quatro toneladas por mês.

Verdade. Tirando Fevereiro que é o pior mês do ano para mim, por incrível que pareça, em que vendi uma média de 730 quilos por semana, vendo 950/ 900 quilos. A minha intenção é baixar para 600 quilos, porque durante muitos anos apostei em vender só o polvo, hoje quero diversificar, quero vender outros pratos. Por exemplo, agora tenho uma lula muito boa. Preciso de diversificar, porque não posso ficar dependente da venda de um só produto. Há dois anos, fiquei sem polvo, porque faltou, aqui, no Sul e tive de ir comprar, a um preço absurdo, no Norte do Brasil. E é preciso entender que de uma tonelada vendida por semana, depois de cozinhado, sobram 300 quilos, porque 70% é perda.

Mesmo assim é um grande volume.

Sim, é volume. Eu não conheço ninguém, no Brasil, e nem sei se no mundo, que venda tanto polvo. A revista Forbes fez uma reportagem muito legal, dizendo que eu era o rei do polvo. Eles vieram investigar, ver as nossas notas fiscais, conferir tudo e fizeram uma grande matéria sobre o nosso polvo e, na época, se não estou enganado, só vendíamos 500 quilos por semana.

O polvo é o ex-libris do restaurante.

Aqui tem polvo de todo o jeito. O Polvo à Rosso, com puré de mandioquinha, que é uma batata nossa, agridoce, que combina com o polvo e molho tarê, que é uma versão bem brasileira. O Polvo à Casa Nostra, uma versão italiana, com ragu de pimentões, aliche, azeitonas e alcaparras. E Polvo Grelhado dos Açores, com batatinha a murro. Não quis fazer um Polvo à Lagareiro muito tradicional de Portugal, porque queria criar algo com a minha identidade. Não quereria que o português que nos visita dissesse: “O polvo está bom, mas não está igual a Portugal”. Eu adoro a cozinha portuguesa, mas não quero replicar a cozinha portuguesa, eu sou brasileiro. Para acompanhar, a gente sempre serve o arroz de amêndoas, que é um clássico nosso e o pirão de peixe e camarão, que é da nossa região e define a identidade da Ilha.

Entretanto abriu outros espaços.

Abri o “Rosso” em 2010, depois, em 2013, fiz a minha primeira viagem a Itália e apaixonei-me pela gastronomia italiana. Em 2014, o Luís Carlos Serafim, meu amigo, abriu o Artusi, um restaurante de comida contemporânea. O restaurante não deu certo, fechou e eu fiz uma proposta para comprar o espaço. Entretanto, fiz mais uma viagem a Itália, para a região da Emília Romagna, no Norte, e foi mais uma fonte de inspiração. A ideia foi trazer uma proposta de um verdadeiro restaurante italiano para Florianópolis, fugindo aos espaços tradicionais italianos, antigos, do Sul, com aqueles esparguetes à bolonhesa que não existem em Itália. Abri o Artusi e foi um sucesso, sobretudo o meu nhoque, que aprendi a fazer no Fasano, em São Paulo. Gosto muito de cozinha italiana. Hoje, quando sair daqui vou fazer um prato napolitano para minha mulher, um Polpettone à Napolitana com ragu napolitano e uma pasta seca. A minha mulher e a minha filha estão com desejos (risos), já comprei tudo e chegar a casa, vou preparar para elas.

Li, algures, que quando sai dos seus restaurantes ainda vai cozinhar para casa.

É verdade. Até porque, praticamente, já não cozinho nos restaurantes. Só vou cozinhar quando crio pratos, quando vou dar o padrão, porque hoje, tenho 42 cozinheiros a trabalhar comigo. Em cada espaço há um chef que reproduz melhor do que eu as minhas criações. Se eu for fazer a receita que criei, já não faço tão bem (risos), porque ele só faz isso e a repetição leva à perfeição.

Mas, voltando, o Artusi ainda hoje é um sucesso. No ano passado abrimos D.O. Pescador que é um espaço pequeno, de 40 lugares, dentro de um hotel, no centro da cidade para vender frutos do mar para quem é da região.

Bem mais recente, com uma aposta na gastronomia asiática, em Julho surge o Karaba Asian Street Food no Passeio Primavera.

No início do próximo ano está prevista a abertura de mais um espaço.

Verdade. Esse restaurante vai ser bem diferente dos outros quatro. Vai ser um restaurante grande, com proposta de bar, à noite, onde vamos trabalhar forte o frango, tanto da cozinha oriental, quanto da cozinha brasileira. Vai ter uma coxinha muito boa, vai ter aqueles espetinhos de frango com um molho oriental, vai ter uma boa empadinha de frango com catupiry, vai ter o bolovo clássico, aí vai ter galeto feito na brasa, galinha recheada, strogonoff de frango, yakisoba de frango, vai ter muita coisa e, durante o dia, vai ser uma proposta de cozinha barata. À noite, será um botequim à la carte.

O facto de morar em Florianópolis é inspirador para o seu trabalho?

Ah, claro! Desde logo por causa da segurança. Eu amo a restauração e quero continuar a trabalhar nesta área e o facto de morar na região com melhor Índice de Qualidade de Vida do Brasil ajuda muito. Só se eu me sentir bem é que consigo motivar a minha equipe para trabalhar com carinho. E ter o privilégio de trabalhar em frente ao mar, nesse canto abençoado do Brasil é fundamental.