Ainda saltam à memória da boca as primeiras sensações advindas das experiências com os caldos, pescados, lulas e camarões do inverno de 1986. Grata lembrança para quem teve a chance de curtir a capital de todos os catarinenses àquela época e, pouco mais tarde, graduar e virar professor de gastronomia por ali.
Vale dizer que é notável o quanto a presença da ancestralidade dos tempos de meiembipe alcança as ideações dos novos artífices das cozinhas, pelos quatro cantos deste “pedacinho de terra perdido no mar”[1]. Inspirações essas que ganham as mesas por meio das talentosas mãos de chefs nativos e de outros recém-chegados e tão bem-vindos. Quem disse que a magia é exclusiva das bruxas de outrora?
É sabido que, das interações entre os saberes nativos carijó e aqueles de além-mar, foram sendo traduzidas leituras e releituras dos pratos de frutos de mar e terra, os quais ainda abundam nesta ilha com forma de Laelia purpurata, desde o 1675 de Dias Velho.
Queremos crer, que a magia das raízes culinárias de Floripa emerge tanto do peixe moqueado ancestral, das misturas das farinhas dos moinhos e da pluralidade da mandioca, quanto da música dos bilros rendeiros, das rezas das benzedeiras, das páginas bruxólicas de Franklin Cascaes, e de muito mais além disto, como sempre havia nas caldeiradas com pitada mágica de erva baleeira, ou maria-milagrosa, como diziam as avós.
Nos pratos servidos na Ilha de Santa Catarina há uma enormidade de histórias de ‘vagabundos confessos’, soltos no maral pelos dias lindos que a gente faz, e que são uma homenagem tão benfazeja ao paladar, quanto assim o é a sonoridade de Dazaranha.
Uma confusão organizada num caldeirão cultural a ferver nos mares do sul.
Saberes que se apresentam, todos os dias, nos gostos e nas expressões da interpretação da ancestralidade e no desfrute que só se encontra nestes sítios. Tudo isso mantém encantados os comensais de toda sorte.
Nas mesas dos restaurantes de Floripa há sempre algo de novo e tradicional, tão facilmente em fusão, algo tão especial e altamente desejável. Escapar a isto é que é difícil.
[1] Fragmento da letra do Rancho de Amor à Ilha, de autoria de Cláudio Alvim Barbosa, o poeta Zininho.
Por Therbio Felipe
Therbio Felipe tem formação na área de Turismo e Hotelaria, Gastronomia e Desenvolvimento Humano. Em Floripa, viveu por mais de 15 anos, alternando entre idas e vindas, ministrando aulas, tocando seu violão e cozinhando para as amizades. Apreciador de vinhos, livros e estar entre amigos, vez ou outra faz uma graça de ir para a generosa cozinha.